Sepultura - Anthony Burgess e o disco A-Lex - Valley Of Metal

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domingo, 23 de junho de 2024

Sepultura - Anthony Burgess e o disco A-Lex


Diversas expressões artísticas são criadas com mãos habilidosas e muitas vezes contestadoras, obras que nos fazem questionar o mundo e enxergá-lo de uma perspectiva diferente. O Heavy Metal sempre buscou esse propósito, frequentemente usando obras consagradas para exemplificar sua postura. Um exemplo é o álbum A-Lex do Sepultura (2009), que narra a história de "Laranja Mecânica" (A Clockwork Orange, 1962), escrita por Anthony Burgess.


Junto a obras como "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, "1984" de George Orwell e "Fahrenheit 451" de Ray Bradbury, "Laranja Mecânica" é considerado um dos maiores clássicos da literatura distópica. Este é o livro mais conhecido e mencionado de Burgess, a ponto de, em 26 de abril de 1972, ganhar uma versão cinematográfica marcante, adaptada, produzida e dirigida por Stanley Kubrick. O filme foi tão impactante e forte que se tornou referência mundial no cinema. Mesmo apresentando algumas diferenças em relação ao livro, a película é fiel ao enredo original, conseguindo transmitir com honestidade o sentimento da escrita de Burgess.


A história de "Laranja Mecânica", tanto no livro quanto no filme, é narrada em primeira pessoa pelo protagonista e anti-herói Alex, de 15 anos. Admirador de música clássica, especialmente de Ludwig van Beethoven, Alex relata sua trajetória como líder de uma gangue de delinquentes que roubam, estupram e assassinam, até sua prisão e participação (como cobaia) em um experimento chamado "Tratamento Ludovico", criado pelo governo para refrear os impulsos destrutivos dos delinquentes.



O Sepultura trouxe um trabalho pesado e cadenciado, dividindo o álbum em quatro capítulos (de "Alex I" a "Alex IV"), todos com uma breve introdução climática. Os três primeiros capítulos abordam o enredo conhecido na adaptação de Kubrick, enquanto o quarto e último capítulo apresenta um desfecho não mostrado no filme, onde Alex retorna à sociedade, reencontra seus velhos amigos, casa-se e começa uma família, contrariando o que o governo havia estabelecido através do "Tratamento Ludovico". A banda conseguiu, com maestria, inserir o ouvinte na obra de Burgess, utilizando elementos típicos do livro, como o dialeto "Nadsat", criado por Burgess e usado por Alex e seus comparsas ao longo da trama. Um exemplo é a faixa "Moloko Mesto" (lugar do leite), referindo-se a uma bebida feita de leite e entorpecente usada como combustível para o desejo de violência dos Druguis (amigos).



No filme, Alex é um admirador de Ludwig van Beethoven. No livro, o protagonista ama música clássica e erudita em geral, incluindo Mozart e Bach. Anthony Burgess também era compositor, o que lhe permitia expressar com precisão o que sentia diante de músicas complexas; essa sensibilidade pode ser percebida em uma de suas composições, chamada "Blooms of Dublin".



A parte musical da trama foi retratada com bastante capricho pelo Sepultura em seu álbum. A faixa "Ludwig Van" tem como base a Sinfonia nº 9 de Beethoven, misturando o som da orquestra com o peso típico da banda. Isso representa, mesmo que sem intenção, um trecho visionário do livro, onde Alex, em um momento de êxtase musical, durante o concerto para violino do americano Geoffrey Plautus, praticamente dá origem ao termo "Heavy Metal": 


"Ah, era a maravilha das maravilhas. E então, um pássaro feito do mais raro HEAVEN METAL, ou tipo assim vinho prateado fluindo numa espaçonave – a gravidade agora não fazia o menor sentido – veio o solo de violino acima de todas as outras cordas, e essas cordas eram como uma gaiola de seda ao redor da minha cama." (Burgess, Anthony. Laranja Mecânica, pg. 35)


O Sepultura, assim como Kubrick, conseguiu trazer para seu trabalho o clima pesado e crítico do livro, onde momentos filosóficos são apresentados junto a uma brutalidade crua e áspera. A ideia simbólica da "Laranja Mecânica", que tem a aparência de um organismo adorável, com cor e suco, mas que na realidade é um brinquedo mecânico manipulado para o bem ou para o mal, foi muito bem retratada nas 18 faixas de A-Lex. Assim como no filme, onde Kubrick improvisou a famosa cena do estupro em que Alex canta e dança "Singin’ in the Rain", o Sepultura trouxe uma ideia criativa ao título do álbum, fazendo um trocadilho com o nome de Alex, separando o "A" do "Lex" para formar a frase em latim "Sem Lei".




Se você nunca leu, assistiu ou ouviu falar de "Laranja Mecânica", corra atrás desta obra e use como trilha sonora o álbum A-Lex do Sepultura. O álbum conseguiu transmitir com bastante expressividade a ideia principal do livro, onde cada indivíduo deve ser livre dentro de si, dono de sua própria vontade e escolha, pois vale muito mais a pena ser "mau" por escolha do que "bonzinho" por obrigação.

 

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