Harppia: especial parte 1 (A Ferro e Fogo) - Valley Of Metal

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quarta-feira, 26 de junho de 2024

Harppia: especial parte 1 (A Ferro e Fogo)

 


Introdução

De acordo com uma tradição, as Harpias uniram-se ao vento Zéfiro e tiveram Flogeu e Harpago, cavalos dos Dióscuros. Com essa frase envolta pelo manto da mitologia grega, começa o primeiro registro de uma das mais importantes bandas de Heavy Metal do Brasil, o Harppia. A frase presente no EP “A Ferro e Fogo” traz o conceito lírico por trás da faixa instrumental “Harpago” que abre o EP, mostrando que o grupo tinha um toque cultural e visceral.

Formado em meados de 1983 na cidade de São Paulo, o grupo, inicialmente chamado “Via Láctea”, era composto por Jack Santiago (voz), Hélcio Aguirra (guitarra), Marcos Patriota (guitarra), Ricardo Ravache (baixo) e Zé Henrique (bateria). Essa formação foi alterada em 1984 com a saída de Zé Henrique, que cedeu as baquetas para o lendário Tibério Correa Neto.

O EP “A Ferro e Fogo”

Logo após a entrada de Tibério, a gravadora “Baratos e Afins” convidou o grupo para participar da primeira edição da clássica coletânea “SP Metal”. Entretanto, Tibério, que acreditava no potencial do grupo, propôs à gravadora a realização de um EP com cinco músicas. Assim, em 1985, o Harppia conseguiu forjar na história do Heavy Metal nacional o excelente “A Ferro e Fogo”, o primeiro EP do estilo a ser gravado no Brasil. 

O disco é simplesmente matador e recheado de clássicos, como a faixa “Náufrago”, que narra de forma poética os acontecimentos e sentimentos de uma pessoa diante de um naufrágio. A canção é quase uma premonição do famoso filme “Náufrago”, estrelado por Tom Hanks, que seria lançado no ano 2000.

Acompanhe um trecho da letra:

“A solidão há de o matar
Antes da morte chegar
Faz do tempo um ser fatal
É a solidão mortal”.


Outra faixa de destaque é a instrumental “Incitatus”, que faz referência ao cavalo do imperador romano Calígula. Segundo a história, o extravagante imperador dividia sua comida e até mesmo sua cama com o cavalo. No entanto, a faixa que mais se destacou (tornando-se o hino do Heavy Metal paulista na época) foi a icônica “Salém, a Cidade das Bruxas”.

A canção discorre sobre os reais acontecimentos ocorridos em 1692 na cidade de Salém. Localizada no estado americano de Massachusetts, no Condado de Essex, Salém ficou famosa depois que 200 pessoas foram acusadas de bruxaria, resultando na execução de 20 delas.

A História

No século XVII em Massachusetts, muitas pessoas temiam que o Diabo pudesse infiltrar-se em sua comunidade e destruir seus preceitos cristãos. Além desse medo constante, uma série de fatores políticos e econômicos agravava a situação, como as epidemias de varíola, a quase descontrolável rivalidade entre famílias dentro da colônia e as ameaças diárias de tribos nativas vizinhas.

Foi nesse contexto de medo e crise que, em janeiro de 1692, um dos períodos mais obscuros da história americana começou a tomar forma. Tudo começou quando Abigail Williams, de 11 anos, e sua prima Betty Parris, de 9 anos, adoeceram.

A doença manifestava-se por comportamentos incomuns: as meninas ficavam mudas, paralisadas, pareciam ser sufocadas por uma força invisível e alegavam ter seus corpos puxados e torcidos contra a vontade. Desesperado, o pai de Betty, o reverendo Samuel Parris, procurou ajuda médica. Para o espanto de todos, o diagnóstico do médico foi estarrecedor: as crianças estavam enfeitiçadas pelo Diabo!

Logo a notícia se espalhou, e outras duas meninas de Salém – Ann Putnam Jr. e Elizabeth Hubbard – começaram a apresentar os mesmos sintomas. Orações e jejuns comunitários organizados pelo reverendo Parris não surtiram efeito. Sob pressão, as meninas apontaram três mulheres como responsáveis por suas aflições: Tituba (escrava indígena do reverendo Parris), Sarah Good e Sarah Osborne. Inicialmente, Tituba negou ser uma bruxa, mas a pressão e o teatro das meninas fizeram-na “confessar” seu “crime”.

Tituba, que cuidava das meninas, contava histórias de sua cultura natal, que incluíam magia e vodu. Isso pode ter impressionado negativamente as meninas, que ligaram os relatos de sua cuidadora ao mal que sofriam no momento.

Sofrendo com a pressão, além dos desgastes físicos e morais impostos pelo júri, Tituba cedeu e confessou ser culpada de causar danos às meninas por intermédio da magia negra, alegando ter agido a mando de Sarah Good e Sarah Osborne. Após muitas confusões e dias de “julgamento”, o número de meninas com os mesmos sintomas aumentou, e várias outras pessoas foram acusadas de bruxaria. Muitos afirmavam sofrer acusações por rivalidade pessoal. Teorias sugerem que as meninas sofriam de epilepsia, doença mental, abuso infantil ou delírio provocado pela ingestão de centeio infectado por fungos.

O fato é que muitas pessoas foram enforcadas jurando não saber o que era uma bruxa. Os julgamentos baseavam-se apenas nas acusações das meninas, sem provas; se a pessoa acusada simplesmente olhava para elas, as meninas caíam em ataques, choravam e começavam a se contorcer, cenas que serviam de “prova”.

Os julgamentos só terminaram quando o uso da prova espectral (evidências baseadas em sonhos e visões) foi declarado inadmissível. Esses julgamentos seguiam os mesmos princípios usados pela Inquisição. As torturas e os procedimentos dos julgamentos eram sustentados pelo “Malleus Maleficarum”.

Criado em 1486 por dois membros da ordem dominicana e inquisidores da Igreja Católica, H. Kramer e Jacob Sprenger, o “Malleus Maleficarum” servia de guia para o inquisidor. O livro era praticamente um manual de como reconhecer, julgar e punir uma bruxa. Durante quatro séculos, esse livro foi oficialmente o manual para a caça às bruxas, condenando à morte e tortura mais de 100 mil mulheres sob o absurdo pretexto de serem bruxas.


Confira a lista dos acusados e suas respectivas sentenças:

Considerados culpados e executados:

  • Bridget Bishop (10 de junho de 1692)
  • Sarah Good (19 de julho de 1692)
  • Elizabeth Howe (19 de julho de 1692)
  • Susannah Martin (19 de julho de 1692)
  • Rebecca Nurse (19 de julho de 1692)
  • Sarah Wildes (19 de julho de 1692)
  • George Burroughs (19 de agosto de 1692)
  • Martha Carrier (19 de agosto de 1692)
  • John Willard (19 de agosto de 1692)
  • George Jacobs (19 de agosto de 1692)
  • John Proctor (19 de agosto de 1692)
  • Alice Parker (22 de setembro de 1692)
  • Mary Parker (22 de setembro de 1692)
  • Ann Pudeator (22 de setembro de 1692)
  • Wilmot Redd (22 de setembro de 1692)
  • Margaret Scott (22 de setembro de 1692)
  • Samuel Wardwell (22 de setembro de 1692)
  • Martha Corey (22 de setembro de 1692)
  • Mary Easty (22 de setembro de 1692)

Recusou-se a fazer um acordo e foi torturado até a morte:

  • Giles Corey (19 de setembro de 1692)

Resenha da Faixa

Logo no início da canção, Jack Santiago canta a ambientação lírica da faixa:

“Meados de 1692;
Trinta e quatro pessoas são executadas;
A acusação… feitiçaria;
Cidade… Salém…”

A faixa menciona que foram 34 pessoas executadas, entretanto, como vimos nesta matéria, foram executadas 19 pessoas por enforcamento e uma por tortura. Salém era dividida em duas partes: “Vila de Salém” (próxima à baía, onde se tratavam assuntos comerciais) e “Aldeia de Salém” (mais afastada, cuidando da agricultura). O caso mencionado aconteceu na Aldeia de Salém, porém, tempos depois, alguns pesquisadores sugeriram que na Vila de Salém mais bruxas teriam sido executadas, elevando o número de mortes para 34, embora isso não passe de especulação.

Musicalmente, a faixa é um Heavy Metal tradicional cantado em português e repleto de riffs cativantes. A introdução traz, junto à voz principal, um gutural distorcido, conferindo à canção um ar sombrio e pragmático. Destaca-se também a firme pegada de bateria que acompanha os interlúdios com ótimas viradas e, claro, o forte solo de baixo aos 5:00 minutos de música.


A letra de "Salém, a Cidade das Bruxas" não narra de maneira didática os acontecimentos ocorridos na cidade, mas faz referências marcantes aos eventos, enfatizando o estigma do local. Hoje em dia, Salém realmente tornou-se oficialmente conhecida como a cidade das bruxas, com vários seguidores da Wicca residindo lá, incluindo Laurie Cabot, que foi declarada pelo governador Michael Dukakis como a bruxa oficial de Salém.

Line-Up:

  • Jack Santiago (vocal)
  • Marcos Patriota (guitarra)
  • Hélcio Aguirra (guitarra)
  • Ricardo Ravache (baixo)
  • Tibério Corrêa (bateria)

Track-List do EP "A Ferro e Fogo":

  1. Harpago
  2. Salém (A Cidade das Bruxas)
  3. Náufrago
  4. A Ferro e Fogo
  5. Incitatus
  6. Asas Cortadas

Fontes:
All about History – Issue 36, 2016. Salem Witch Trials – The real story behind the Crucible by Willow Winsham.

Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) 






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